quinta-feira, 20 de novembro de 2014

No hope No love No Glory, No happy ending

Tenho uma música de fundo para cada situação e para cada estado de espírito. Não sei se acontece a toda a gente, mas a mim acontece desde sempre. É tão absurdo que acho que nunca comentei com ninguém que tenho um DJ todo tatuado a viver dentro de mim. 
Para dias como o de hoje, o DJ personaliza a letra à minha real situação de merda, faz lá as suas misturas, e põe-me a tocar nos ouvidos, num arranjo fabuloso de Jazz, No fucking hope, No fucking love, No fucking glory, and darling, No fucking happy ending.
Hoje choveu até ao magma. O meu cabelo, ainda pouco convencido de que é definitiva a deserção de 20 cm, não está a conseguir manter a compostura. Olhei-me ao espelho do carro às 5 da tarde e senti uma pontada no peito. Estava em forma de trincha. Da mesma maneira que em muitas alturas seria capaz de matar se tivesse uma arma, naquele momento ainda bem que não tinha uma máquina com o pente zero em riste guardada no porta-luvas. 
Vim para casa cedo, sem ser bem isso que me estava a apetecer. O que me apetecia mesmo era sentar-me ao balcão de um bar vazio, beber 10 shots de tequilla e partilhar com o barman todas as minhas frustrações. Nos filmes funciona. E no fim ainda se consegue um tipo que nos leva a casa e nos manda flores no dia seguinte para o trabalho (porque lhe dissemos exactamente onde trabalhamos e o mais provável é termos mijado à porta no caminho para casa, naquela da irreverência). Dois dias depois convida-nos para jantar e andamos nisto durante 3 meses porque de repente tornámo-nos as mulheres mais inconquistáveis do planeta. 
Tudo porque ele não abusou do nosso estado embriagado naquele fim de tarde para nos pinar fortemente antes de ir à vidinha dele. Se o tivesse feito sentiamo-nos despeitadas, pegávamos no número de telemóvel que ele simpaticamente deixou escrito num guardanapo em cima da mesa da nossa sala e tentávamos marcar o "café-rotunda", aquele em que contornamos pela direita a evidência de sermos umas galdérias que vão para a cama com um desconhecido depois de 10, ai 10, 3 shots de tequilla. Vestimos o nosso ar mais sério e a saia mais comprida (just in case, com ligas) e tentamos demonstrar que aquilo foi uma situação isolada, aliás, a primeira, e que num estado normal e sóbrio não aconteceria, que não somos dessas soltas que levam para casa qualquer um. 
É importante este convívio-pós-coito-fortuito. É que, na verdade, nem temos muita noção da informação que lhe passámos na noite anterior. Se ele souber o nome do nosso cão e vier com outros pormenores, talvez seja preciso um segundo café para consolidar aquela pretendida impressão de que somos finas porcelanas e que terem ido para a cama connosco foi, afinal, o maior feito do próximo século. Nós, pelo contrário, desgraçadamente, não sabemos nada sobre ele. O número dele está gravado no nosso telemóvel com o nome "William" - o nome do bar onde o conhecemos.
Tentarmos sacar alguma informação sobre ele é um terreno minado. Só com muita sorte não ouvimos "mas eu disse-te ontem que sou engenheiro electrotécnico". Por dentro está o nosso DJ a mudar o disco para um "toumacagar moço, toumetãoacagar" em estilo bossa nova, mas por fora temos que fazer aquele sorriso envergonhado, e deixar que ele tome as suas considerações e por fim se sinta miserável por se ter aproveitado da nossa vulnerabilidade. 
Isto é o que eu vejo nos filmes, claro.
Neste momento tenho o DJ a mexer nos clássicos e a atirar-me, não sei bem a que propósito, com um Oh yes, I'm the great pretender...

MM