quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Silly Season

O Danone azedou de vez, Le éxecrable gastou as fichas todas e o resto passou a ser natureza morta. De modo que andava assim cabisbaixa, sem animus vivendi, murchinha como a noite.
À segunda semana disse "Basta". Precisava de drama. E pronto, Deus quer, o homem sonha e a obra nasce. Reencontrei um amiguinho (o mercado já impõe ir repescar) que se tinha esfumado corria o louco verão de 2004. Nessa altura éramos pessoas comprometidas, e portanto a fraternidade dominou aquelas longas conversinhas sobre nada e sobre tudo.
Volvida uma década, a história com ele dá um daqueles livros que a pessoa lê em vez de contar carneirinhos. De 10 em 10 páginas há uma promessa vaga de acção, entusiasmamo-nos e lemos mais meia página a ver se a coisa se dá, mas depois vem um sono incontrolável. Mas lá para o capítulo XV, senhores, só paramos de ler quando os órgãos vitais entram em falência.
Ora, o capítulo XV desta história começa numa quarta-feira à noite quando o homem me diz que teve uma proposta para ir trabalhar para Londres. Eu estava com um copo de sangria à frente e a primeira coisa em que pensei foi no segundo. Depois tive toda uma amálgama de sentimentos: sorri interiormente com a naturalidade do fim daquele relacionamento sem salero, 3 minutos depois fiquei triste com a possibilidade de nunca vir a saber se a coisa era para ser ou não, odiei-o 23 segundos e por 45 segundos teve uma importância que nunca tinha tido.
Precisava da minha opinião. Melhor, pôs a decisão na minha mão com aquela do "se me disseres para ficar, eu fico". Apreciei a generosidade mas tive que falar uma boa meia hora para lhe explicar que não sou da Rechousa. Vai lá à tua vida, homem, é uma boa oportunidade, e eu cá fico como Deus quiser e o mercado permitir.
Pediu-me para ir com ele. A ideia não me repugnou à partida. Por momentos imaginei-me em Picadilly a vender churros com grande dignidade. Londres é Londres e seria ele o impulso para me mandar para lá. Não naquela do "largar tudo por amor", entenda-se, porque se fosse o Algarve ou a Tailândia a possibilidade nem se colocava - o que de já por si diz muito sobre as minhas reais intenções com o rapaz.
"Não vou contigo porque não tenho trabalho lá, mas sou menina para ir lá ter depressinha, com um trabalho que me permita ganhar alguma fluência no inglês e com a perspectiva séria de trabalhar na minha área a ganhar 1000 libras por semana".
"Pronto, mas entretanto podes ir lá comigo. Vou na próxima semana". Oh meu amigo, não diga mais nada, no dia seguinte estavam as viagens marcadas.
6 dias e 5 noites em Londres tiveram o condão de me fazer concluir pela absoluta impossibilidade prosseguir com aquele relacionamento. Na primeira noite já estava eu cheia de comichões a pensar que devia dizer-lhe 3 ou 4 coisas que estavam a incomodar. Às 2 e tal da manhã decidi ter essa conversa, sentadinhos que estávamos, de pijama, na banca daquela cozinha londrina. Fui dura na avaliação da personalidade que ele vinha de revelar na última semana: muitas incertezas, nenhuma determinação, uma comiseração sem fim, uma falta de motivação atroz, enfim, todo um conjunto de demonstrações de carácter que já não podia aturar sem dar o meu toque de impaciência. Depois pus turbo no drama e auto vitimizei-me um bocadinho: que ele já não me dava tanta importância, que me sentia simplesmente uma bengala, que ele se tinha desligado de mim e que, meu amigo, se não tratas da flor, ela morre. E morreu (com uma ou duas reanimações já para o fim da semana, depois de uns copos - não sou gaja de perder viagens).
No penúltimo dia disse "Fui", depois de um beijo na testa e de um "boa sorte" muito sentido. Sozinha em Londres. Livre. Totalmente livre. Gosto tanto de liberdade.
Regressei na segunda-feira. Ele regressou na quarta-feira. A flor, que estava morta, desfez-se em cinzas nesse momento,levadas por um vento ciclónico.
De modo que agora estou numa espécie de Silly Season. 
Já não sorria interiormente há alguns dias. Ontem sorri com a constatação de que não tenho nada (leia-se homem) a atormentar-me. Nada. E é tão boa esta sensação de liberdade. 



MM