terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Somos pessoas esclarecidas. Lemos os melhores livros, vemos os melhores filmes, ouvimos os Gurus da matéria. Dissertamos. Opinamos. Criamos doutrina. Compilamos experiências, actualizamos procedimentos. Damos consultas, aconselhamos, ostracizamos quem ousa violar as mais elementares regras do Código. Colectivamente consideradas, nós, jovens mulheres do século XXI, somos a personificação do domínio. Nada nos escapa. 
Mas depois há aquela necessidade de nos sentirmos miseráveis, que é muito mais forte do que qualquer máxima repetida em uníssono. O drama está para cada uma de nós como o sangue a pulsar numa jugular despida está para o vampiro. Irresistível. Tem que ser nosso. E por isso, sempre que podemos, estamos na merda. Que seria de cada uma de nós sem o gostinho de nos sentirmos desprezadas por um homem? Que seria de nós sem o sofrimento de um amor não correspondido? 
Quanto menos dúvidas houver de que temos que procurar a saída de emergência, mais nos deixamos ficar a inalar o sofrimento. Nada como a satisfação de nos sentirmos miseráveis. Pode estar escrito em todos os manuais que "ele não quer nada contigo", que nós não nos rendemos às evidências. Quanto mais desprezo recebemos, mais desculpas arranjamos na nossa cabeça para ilibar o coitado e passamos a aceitar que "as coisas são mesmo assim, demoram o seu tempo, é normal que ele não queira assumir já um compromisso, que eu cá também não quero, ainda é muito cedo, estamos a conhecer-nos". Então vamos andando, contentamo-nos por viver pela metade, ostentamos um grande conforto com a situação e arrastamos a coisa até àquele ponto óptimo da miséria: quando ele arranja outra, com quem vai viver passados 3 meses. Nessa altura recolhemo-nos para podermos finalmente gozar a plenitude da depressão que tanto trabalho nos deu a construir. Do ponto de vista económico, nada melhor do que mulheres a trabalhar 12 horas e atiradas, ao fim do dia, ao consumo de filmes, lenços de papel e chocolates.
No outro dia disseram-me: "para que é que ele quer comprar a vaca se tem o leite de graça?" Fiquei chocada. Nunca tinha pensado, de forma tão ilustrativa e clara, na perspectiva dele, paralela à minha teoria, criada com o intuito de aparentar domínio da situação, "para quê comprar o porco se já tenho os 100 gramas de salsicha?". 
Estou focada. Que nada me distraia da missão. Deixem-me sentir miserável.

MM