segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Ora porra, logo hoje.

Se o Porto é uma aldeia, toda a gente se encontra inesperadamente, o quê que se pode esperar de uma cidade com menos de 50 000 habitantes? Mais, o quê que se pode esperar quando essa pequena população sai à noite e tem três ou quatro opções de escolha para dançar? As probabilidades de as pessoas se reencontrarem inusitadamente variam entre a sorte e o azar.
Tive sorte durante muito tempo. No sábado, os astros alinharam-se e eis que tive que respirar o mesmo ar que o meu querido ex-namorado.
Estava eu com a minha pita calçuda (nome encriptado que, a par do "roupa-na-corda" e do "carbitex", fazia parte da nossa gíria) num bar, a beber uma coca-cola (que é coisa que acontece uma num bilião de vezes) e a decidir ir para outro sítio porque aquele estava quase às moscas, quando (falávamos nós precisamente de encontros imediatos), se avistam uns seres que nos fizeram adivinhar a diversão que ia ser aquela noite. Os amigos do dito, a aparecerem de emboscada.
Deslocámo-nos um pouco para evitar o choque frontal e em cadeia.
Durante uns minutos tive esperança que o moço tivesse tido uma indisposição incapacitante, que tivesse emigrado para a Etiópia, que tivesse sido levado por uma nave espacial - as únicas razões que o levariam a não estar ali, com o seu grupo de amigos inseparáveis (já me ocorreu que agora vivam todos na mesma casa, de tanto que dependem uns dos outros para viver).
Mas não, ele também apareceu. Bastou focá-lo e começou a sequência: coração a querer desertar, visão turva, perninhas a tremer. Quando recuperei 2% de capacidade de raciocínio, pensei: fo**-**, logo hoje que nem era para sair, logo hoje que estou quase como quem vai ali à mercearia comprar arroz. Olhei para mim, um vestidito, umas sandalitas de 7 cm em salto cunha, unhas por pintar, maquilhagem zerinho (apenas o risco desvanecido nos olhos, sem o qual estaria nua). Que desgraça.
Mas não podia perder a oportunidade de actualizar informação acerca daquelas pessoas. Decidimos ficar (até porque ir imediatamente embora significava ter que passar por eles, mais tarde sempre o espaço estaria mais preenchido).
O dito não é apenas um ex-namorado. É O ex-namorado. O meu primeiro amor (único verdadeiro, até ver). O carinho que tenho por ele mistura-se com uma grande dose de sentimentos pouco recomendáveis.
Diz a pita calçuda que ele "continua um pedaço de homem". Tenho que reconhecer que me faria melhor ao ego vê-lo com mais 20 kg, velho e acabado. Ainda assim, não tive que puxar muito por mim para lhe apontar um defeito irrebatível: a altura. É baixo, o miúdo, se continuasse com ele ia andar de rasos o resto da vida, e daí a calçado ortopédico era um saltinho. Mas é ele.
Ao seu lado envergava-se a respectiva. Loira de olhos claros, que cliché sem jeito. À primeira vista, é gira; à segunda, assim visto o conjunto, nem vou dizer o que nos pareceu. Qualquer namorada que ele tenha nunca me vai conquistar a simpatia, parece óbvio. Mas esta não é apenas uma namorada das 1500 que ele já teve. É nem mais nem menos do que a p*** por quem ele me trocou.
Sempre disse que, a trocarem-me, que seja por uma mulher estupidamente bonita, podre de boa, a doer de tão inteligente. Por alguém contra quem não seja possível competir. Assim pronto, percebo a mensagem, engulo em seco e sigo.
Mas não, arranjam uns troços (comparado com aquilo que se espera, são uns troços). Por isso é que uma gaja deprime: se ele me trocou por aquela (aquela, porra!!), é porque eu sou muito pior!! E chora-se por isso, muitas vezes só por isso. Imaginamos os encantos que ela terá, vasculhamos o Facebook dela 5 vezes por dia, o dele 15, o dos amigos, para ver quem comenta, se há fotos, se há alguma coisa que nos elucide.
Não tenho nada contra esta moça, mas gostava muito de a encontrar numa rua escura, numa noite chuvosa e fria. Nunca falei com ela, não lhe conhecia a tromba enquanto namorava com o dito, mas o simples conhecimento da sua existência irritava-me profundamente (e o sexto-sentido é mito, querem ver?).
Precisei de embutir álcool no pêlo para aguentar a situação (sou uma pessoa calejada nestas coisas, mas com coca-cola...). A certa altura olhámos um para o outro ao mesmo tempo (dizer que cruzámos o olhar seria de um romantismo que não cabe aqui) e eu desviei e olhei indiferente para o infinito. Só por isso valeu a pena. 5 pontos para mim.
No mais, fica a lição: uma gaja nunca pode andar abaixo de IMPECÁVEL. Nunca se sabe quem podemos encontrar, por isso 12 cm de saltos, unhas arranjadas, cabelo lindo e sedoso e uma ligeira maquilhagem, sempre conferem aquela segurança.
Também nos lembrámos de ter uma espécie de "kit-encontros-imediatos" no carro (se eu tivesse, não consigo assegurar que não me fosse socorrer dele).
Ainda assim, até correu bem. Pita calçuda (que conhece como ninguém a minha história com o dito), confere que passámos na prova com distinção.

MM