terça-feira, 3 de junho de 2014

Apontamentos sinistros do quotidiano #1


O chefe diz que lhe apetece dar-me umas dentadas.
Era no mau sentido, na medida em que lhe coloquei à soberana consideração quase 70 páginas de eloquência em estado bruto para ele analisar e lapidar como bem lhe aprouvesse em duas ou três horinhas. Mas não deixa de ser sinistra a fórmula que utilizou para se rebelar contra a minha sapiente lata.
E isto ouvido por quem está privado de sono há 31 horas dá que pensar. A acrescentar só mesmo o encontro matinal com a pessoa que mais maravilhas me fez ao ego nos últimos 10 anos. As pernas tremiam tanto que quase podia ser contratada para fornecer energia eólica a uma comunidade de 10.000 habitantes. Sabia que era possível encontrá-lo, não foi assim um acontecimento à estúpida, imprevisto. Adornei-me num casual chic patrocinado, repeti 11 vezes em voz alta a máxima "vale mais parecer do que ser" e tudo correu bem até ao impacto com aquele ser execrável. Engraçado: comportou-se como se não contasse ver-me ali, num misto de "olha, que curioso ver-te aqui, iupi, 'tás boa miúda?" com um "conheço-te de algum lado, não sei bem de onde, ó, já sei, é aquela totó que andei a comer". Mas houve um apontamento que denunciou toda uma premeditação: o outfit.
Não estava com a habitual albarda de trabalho, estava vestido como fazia questão de andar quando se fazia acompanhar pela minha elegante pessoa. Ou então sou só eu a não querer ser a única que preparou de véspera a indumentária do eventual reencontro,  tão fingidamente inusitado. Mas de vez em quando dá-me esta coisa de achar que sou importante. E que às tantas o gajo pensou mesmo em mim quando escolheu a roupa de manhã. É não ligar. A PDM passa. É seguir o instinto, e o gajo,  que aparece a loira e a esperança passa a ser a de o gajo ter pensado em mim pelo menos enquanto me pinava (não há maneira elegante dizer isto).


MM