segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Uma vida em luta

Estou a pensar seriamente em propor a algumas pessoas dormir em casa de cada uma pelo menos uma vez por semana. Não vá sobressaltar-lhes o sono aquela dúvida existencial e não terem lá ninguém que as esclareça, que as acalme, que as console. Quando os telefonemas começam às 9 da manhã (alguns seres são inconsequentes e telefonam-me a essa hora. Ou tentam) fico com a convicção de que foi em mim que pensaram antes de adormecer. Depois atiram-se a um sono tranquilo porque acham mesmo que lhes resolverei todos os problemas logo ao raiar do sol, às 9 da manhã. A coisa só acalma quando lhes chega a  factura a casa. Começam a pensar quatro vezes antes de me telefonar ou, sequer, de pensar em mim. Sou uma gaja cara, pois sou.
Mas há quem tenha tratamento especial. Ou porque têm um acordo com o estaminé ou porque, pá, até vou à bola com eles. Maneira de dizer, entenda-se. Como aqui já foi dito, nesta vida, minha boa gente, tudo se resume a sexo. Sexo efectivo, eventual ou declaradamente impossível mas desejado. Somos pessoas esforçadas para qualquer pessoa que nos pague. Mas somos ainda mais esforçadas, amáveis, dedicadas, simpáticas e disponíveis às 9 da manhã e às 9 da noite com alguém que enquanto falava e nos expunha o seu problema nos pôs o subconsciente aos saltos e a dizer "É. Marchavas". A pessoa fala, esforçamo-nos por ouvir, mas o nosso subconsciente atormenta-nos com pensamentos pecaminosos e impede-nos de perceber logo toda a dinâmica da situação do rapaz de 1,85m, moreno,  olhos verdes, bem vestido, e fala bem...lindo relógio...aliança, onde estás? Oh, porra, tem a mão esquerda escondida. Humm...será casado? Não tem ar disso. Mostra lá, quero ver. Enquanto o meu subconsciente se diverte, estou em luta a tentar perceber a história e o que pretende de mim. Vamos ter que reunir várias vezes. Às 22H00 em minha casa?
Quando conhecemos uma pessoa, a primeira coisa que a analisa é a parte do cérebro dedicada à malandrice. Há toda uma actividade química que nos dá uma de duas informações: Comia-te ou não te comia. Passada esta fase, a parte verdadeiramente útil do cérebro começa a arrancar, num processo penosamente lento se aquela primeira conclusão foi "Comia-te", circunstância em que tudo o que se passará a seguir se processa em dois planos: no consciente, empenhado em portar-se bem, em ser profissional; e no subconsciente, a dar gargalhadas e a envergonhar o consciente com as suas opiniões sinistras.
E dizem-me os meus longos anos a virar frangos que os homens vão mais longe e que a primeira impressão que têm de uma mulher é devidamente acompanhada de imagens ilustrativas. Há uns tempos um senhor disse-me, enquanto se despedia de mim depois de uma reunião que acabou às 15h30: "Desculpe te-la tirado da cama". Levantou os braços, desconcertado, e corrigiu: "Desculpe te-la tirado do escritório com este calor". Ainda mais desconcertado, bramindo de braços levantados aos céus, já que deviam estar uns 10ºC: "Calor não, com este frio. Está tanto frio". Estiquei-lhe a mão, boa tarde passe bem, virei costas e fui rua abaixo a rir-me à gargalhada. Ri-me por causa da sua figura patética. Mas depois concluí que às tantas aquilo se deveu a uma gravíssima falha de comunicação entre o consciente e o subconsciente. Aquele senhor desejava-me e por momentos deve ter-me imaginado algemada na sua cama. Medo. Muito medo.

MM